terça-feira, 23 de abril de 2024

Meio urbano: uma paisagem desértica...

Quem acompanha meus comentários sobre a relação do cidadão com o meio urbano conhece as críticas que faço a respeito do descaso e inoperância dos serviços públicos (diga-se, aqui, em especial, a prefeitura municipal). Andando pelas ruas da cidade, veem-se tapa-buracos que se desmancham e quebra-molas que se dissolvem, por exemplo. Sabe também que as exceções são os espaços mais humanizados, que dão um respiro para a população, feitos por parte da iniciativa privada, nos bairros planejados.

Embora possa existir - mas não se conhece – é preciso um plano de revitalização, um olhar sobre o futuro da cidade. Muitas obras têm a marca de administradores de 20 anos atrás, início do mesmo grupo que se mantém até agora. Quando planejaram, buscaram investimentos que vem, sonolentamente, se concretizando. Passaram cinco mandatos e, nos últimos anos, tivemos políticos relativamente competentes em “fazer ação partidária”, sem serem administradores de visão que planejam os rumos do município.

Algumas áreas foram contempladas com núcleos residenciais junto a ruas que, no máximo, seriam auxiliares e acabaram transformadas em inter bairros. A incapacidade de projetar os rumos da malha urbana despejou populações, levando pessoas a residirem em áreas em que se desenvolve o comércio e os serviços, mas estagnou o atendimento público. Sem o alargamento de ruas, reforço nos sistemas de abastecimento e, o que não é um luxo, mas sim uma necessidade: espaços verdes de sanidade mental.

Um dos elementos desprezados tem sido o do meio-ambiente: em tempos em que o aquecimento global se torna uma realidade, está faltado o plantio de árvores de sombra. Alguns vão me acusar de atrasado. Por quê? Não teremos outras temporadas de verão calcinante, como se teve nos últimos anos? Eu, ao menos, não sei de nenhum programa de plantio de árvores em ruas, avenidas, parques e praças. A carência é tão grande que a população procura sofregamente espaços ao ar livre para o convívio e atividades físicas.

Planejamento é uma palavra repetida à exaustão e pouco praticada. Ao menos naquilo que ultrapassa a venda de uma suposta competência para chegar ao poder e usufruir dos seus benefícios. Algo que se vê com inveja em localidades do próprio estado, onde se mira a ampliação do espaço urbano com tudo o que já se falou e mais, criando bosques, por exemplo. Os problemas acontecem porque não se cuida e fiscaliza. Não basta atirar para o cidadão a responsabilidade pelas calçadas, sem uma política de cooperação.

Em muitas ruas, tem-se uma autêntica paisagem desértica... Humanizar o meio ambiente urbano pressupõe o convívio com elementos da natureza. Não apenas com aqueles que são ornamentais, de rápido atendimento para supostas necessidades estéticas, mas com pífios resultados para que o cidadão possa usufruir e beneficiar-se. Além da preservação de áreas naturais que possuem funcionalidade, como os banhados e sangas, a competência administrativa está em oferecer ao cidadão aquilo que dá gosto de viver como sendo um lar, sua comunidade, a cidade onde nasceu e optou por viver.

domingo, 21 de abril de 2024

Quando alçamos os nossos voos

Por onde anda o anjo que me guardou?

Foi um sonho, ilusão, uma miragem?

Ou apenas:

O etéreo instante de uma quimera,

A fugacidade de um momento,

Meus sentidos quando deliraram...

 

Perdi a noção do tempo e

A realidade se confundiu

Com os meus devaneios.

Não são necessárias formas.

Incorpóreo, intangível,

Põe em dúvida a minha ciência,

Com as carências da minha fé e Seus mistérios.

 

Murmura ao meu ouvido enquanto durmo;

Sinto-o num abraço, num riso, num afago;

No silêncio, brinca sussurrando meu nome.

 

Meu anjo da guarda talvez nem tenha asas.

Tem um sorriso belo e acolhedor

Que sempre seduziu e encantou.      

Quem sabe tenha apenas uma asa

E me provoca para ser acolhido:      

A única forma de alçarmos os nossos voos!

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Ainda preciso andarilhar...

Há um caminho desenhado nos corações.

Não o chame de destino.

É a bagagem das muitas andanças,

Que se acumula e orienta os rumos da vida.

Onde se estaciona as emoções,

Quando se começa

A ficar mais seletivo com as lembranças.

 

Um itinerário que se constrói com a imaginação,

Ao se deixa que as expectativas

Repousem carinhosamente no peito,

O lugar privilegiado

Para não se equivocar na direção.

 

Andarilhar é preciso...

No caminho,

Não se pode estar bem o tempo todo,

Sequer os momentos de tristeza

Apagam o direito de ser feliz.

Afinal, é o que norteia cada passo

Na superação das angústias e das procuras.

 

A existência empresta momentos em perspectiva.

Horizontes,

O lugar onde se colocam as possibilidades:

Ali, os sonhos são etéreos,

As ilusões tornam-se passageiras,

As crenças são ancoradas e

As fantasias minoram as dores da realidade.

 

Um céu estrelado é sempre a esperança

Do olhar para o futuro,

Como quem já encontrou a estrela-guia.

Mesmo na tormenta, ela está lá,

Aguardando por uma nesga de céu

Para confirmar a eterna cumplicidade

E a justa inspiração.

 

Tendo a música, da qual alguém se apropria,

Tratando memórias com o bálsamo do tempo,

Um amigo que seca todas as lágrimas,

Não permitindo que se frustrem as emoções.

Na paciência de quem acompanha o vento,

Sente o rumor das ondas

Sabendo que, mesmo em seu murmúrio,

Negam-se a desvelar seus rumos.

 

No entardecer,

Quando a brisa acalenta as ondas,

Testemunha-se a leveza de quem pode

Acarinhar a turbulência sem medo

De semicerrar os olhos e deixar que

Uma lágrima sele o destino

De quem ainda precisa andarilhar...

terça-feira, 16 de abril de 2024

O direito de ter o choro frouxo...

O que tem em comum uma aula de catequese dada pelo papa Francisco; a garota cega, acompanhada por um estádio inteiro quando se preparava para fazer uma cesta no basquete; o tenista que promete não se aposentar antes de enfrentar seu entrevistador e a caminhada para colher a erva da macela, nas pedreiras de Capão do Leão? Além das redes sociais, hoje, se acompanha em vídeos “shorts” (curtos, de pequena duração) muitas coisas “fofas” em música, dança, humor, relações familiares e de amizade.

Que Francisco tem sido uma agradável surpresa, isto não é novidade. Desde o primeiro momento, como pastor da Igreja Católica, deu sinais de que quebraria protocolos. O que não se esperava é que, aos 87 anos, ainda fosse capaz de, usando uma cadeira de rodas, dirigir-se a uma sala de catequese com mais de 200 crianças e incentivá-las a viver 2024 como o Ano de Oração. Uma atitude profundamente inspiradora. Mais do que foi escrito e discursado, o que Francisco deseja é que sua Igreja viva “em saída”.

Quem gosta de vídeos curtos, viu, recentemente, um estádio inteiro acompanhar, no mais absoluto silêncio, quando uma menina cega preparou-se para tentar uma cesta no basquete. Direcionada pela treinadora, que batia com uma vara na altura do ponto, permitindo orientar-se pela audição. Preparação, dedos cruzados, aflição no rosto, suor no canto dos olhos... E lá foi ela. A bola correu pela beirada do aro e caiu pela rede até o chão. O estádio veio abaixo na demonstração da garra humana e a beleza da inclusão.

Numa destas entrevistas das quais participam crianças, uma delas pediu ao ídolo do tênis que não se aposentasse sem enfrentá-lo. A promessa foi aceita e o tempo passou... Não para o sênior, que providenciou encontro surpresa com o agora rapaz que continuava buscando um espaço neste seleto mundo dos esportes. Foi recebido na quadra pelo profissional veterano, que contou para a assistência que tinha empenhado a palavra, sendo grato pelo carinho do fã, em especial em poder realizar seu sonho.

Lion Runners (os Leões Corredores) é o grupo que o escritor Jairo Costa mantém. Pelo WhatsApp, trocam informações, mensagens, mas, especialmente, preparam e avaliam as trilhas feitas no Cerro do Estado, para todas as idades e preparação física (não te cansa de esperar, ainda vou participar um dia...). Há pouco tempo, colheram o chá da macela, na Semana Santa. Destacaram o companheirismo, a colaboração, o cuidado com o meio ambiente e o incentivo para os principiantes e os que tem mais dificuldades.

Contem dez desgraças, que eu conto histórias em que o Mundo tem jeito... Infelizmente, ainda somos uma sociedade com resquícios do machismo, em que as sensibilidades são desprezadas. Emociona que um idoso deseje ser útil; uma torcida silencie e acarinhe; alguém espere para dar alegria a outrem; numa trilha, se aprenda a interdependência. Mesmo de longe, é bom sentir que faço parte de uma sociedade ainda capaz de ser bondosa, perseverante e não desistir da superação. Coloco uma toalhinha ao lado para certos casos, afinal, numa certa idade, já tenho todo o direito de ter o choro frouxo...

domingo, 14 de abril de 2024

O destino dos pingos da chuva

Num instante,

O ar se carrega do cheiro de terra molhada

E de grama recém-cortada.

Andando na chuva,

Aspira-se a fragrância que o ar úmido

Impregna, suavemente, em nossos corpos.

 

Esquecer que, há pouco tempo,

O abafamento tirava o gosto do instante,

Deixando o desânimo e o abatimento

Penetrarem por todos os poros.

 

Ainda agora,

A chuva caiu lentamente.

Enquanto escorria pelo telhado

E procurava o rumo da terra,

Formou uma cortina

Bordada por pingos e gotículas.

 

Brincou com o tempo,

Desafiou a mãe Natureza.

Zombou com nosso encantamento,

Quando a mão estendida cortou seu caminho,

Sem ser capaz de impedir o seu destino!

sexta-feira, 12 de abril de 2024

A colheita das muitas saudades

Não culpo o tempo.

Quando me dei conta, havia passado e,

Na sofreguidão de buscar pela vida,

Esvaíram-se muitos e doces momentos.

Ao envelhecer, perdi, aos poucos,

A sensibilidade do toque,

O olhar intenso e a proximidade

Daqueles que a vida deu como especiais.

 


Vasculhei lembranças para ainda

Ter presente o que era uma bênção

E muitas vezes parecia sem sentido:

A carícia da criança que explora

Com a curiosidade

Da ponta dos seus dedos;

O abraço silencioso e apertado

Da paixão ou do companheirismo,

Nos momentos de dor,

Assim como em instantes de alegria.

 

Dos beijos e dos corpos que se fundem,

Quando há o envolvimento de um olhar

Que diz quase tudo,

Ao antecipar a acolhida de um abraço.

As fragilidades que colocam barreiras

E perde-se para o medo

Que mantém afastados aqueles que se ama.

 

Dizem que nos tornamos “grandes” e

Não se pode continuar fazendo o

Que se fez em criança ou quando jovem.

A idade que leva a um leito hospitalar,

Uma cadeira de rodas, a casa de repouso,

Com o distanciamento que não se pediu

E, no entanto, se torna realidade...

 

Quem disse que deveria ter sido assim?

Não importa.

Perde-se ao não se vivenciar com os filhos

O simples fato de dar e receber carinho.

De outra forma, viramos idosos totens:

Respeitados, admirado de longe,

Mas que já não se deve tocar.

 

Não há volta no envelhecimento.

E aceitar não significa resignação.

Na escalada em que se vence o percurso,

À medida em que as forças diminuem

E o ar se torna rarefeito, enfim,

Se desvenda a compreensão do horizonte.

 

A chegada,

No silêncio e na paz,

Tem o sabor de que valeu a pena.

O instante das despedidas,

Em que se torna mais doce o tempo

De fazer a colheita das muitas saudades...

terça-feira, 9 de abril de 2024

Os aposentados e o cobertor curto

O mês de abril trouxe uma notícia que até pode ser boa para aposentados, pensionistas e outros beneficiários do sistema previdenciário: a antecipação do décimo terceiro salário em duas parcelas, sendo que a primeira será paga com os vencimentos de abril (final do mês e início de maio) e a segunda com o benefício de maio (também ao cabo daquele mês e início de junho). A justificativa ainda é a mesma: reforçar o caixa, especialmente das famílias com mais necessidades, desde o auge da pandemia e seus transtornos.

Cada vez mais seguido, ouço que escolas estão incluindo nos seus conteúdos a questão do planejamento financeiro pessoal e familiar. Ótimo, que bom que se aprenda desde criança a gerenciar as parcas moedas que, muitas vezes, vão para um cofrinho com o intuito de alguma compra futura. O problema, na maior parte dos grupos de convívio, não está em “aprender” a lidar com a situação, mas em ter o quê economizar. Deveria ajudar uma criança a entender os mecanismos de compra e de poupança. Mas como?

O salário mínimo não atende a todas as necessidades, corroído por uma inflação inclemente que aparece no mercado, na feira, na farmácia, mas se “esconde” quando se fazem os levantamentos, especialmente dos governos. Recentemente, as donas de casa tiveram que colocar seus orçamentos em regime. Eliminaram produtos da cesta básica, pela alta dos preços, enquanto as autoridades navegavam por seus números encantados, em mares de rosa. A realidade continua sendo mais malévola do que a ficção...

Receber agora o décimo terceiro é a teoria do cobertura curto. Entrando na conta, deixa a tentação de se gastar - o que não precisa ser esbanjar - o pagamento de dívidas bancárias e contas comerciais, por exemplo. Somente que, em dezembro, aparecem gastos extras com IPTU, IPVA, taxas e material escolar do próximo ano... O que parece um benefício se transforma numa baita dor de cabeça quando não é possível fazer uma reserva financeira. Atendidos os ditames políticos, volta-se a correr atrás dos prejuízos.

Existem arapucas caçando incautos no meio do caminho. Uma delas é o “empréstimo consignado” para aposentados. Um imprevisto faz com que estes anúncios soem como música: crédito com juros menores, que cai diretamente na conta do freguês, e também dali é descontado, chova ou faça sol. O brasileiro faz as contas prevendo que seja uma parcela pequena, que cabe nos seus vencimentos, e vai dando um jeitinho. Esquece que isto é um extra, além de comer, vestir, morar, cuidar da saúde, educação, etc., etc., etc.

Negar este pagamento já repetido pode ter reação negativa em ano eleitoral, com o governo em baixa nas pesquisas. Enquanto se vê os poderes judiciário e legislativo acumularem ganhos de supostos benefícios não pagos, pouco ou nada se fala do que se cogitou como um décimo quarto salário para, aí, sim, reforçar os ganhos dos mais idosos. O Brasil não é um país pobre (que bom!), porém, infelizmente, grande parte dos brasileiros o é, o que não deixa de ser muito triste, especialmente quando se fala em aposentados que, ainda hoje, em muitos casos, são os verdadeiros arrimos de família...